Quando se diz que esta é a terra do já teve, algumas pessoas ficam indignadas, como se isto fosse uma heresia ou uma blasfêmia.
Olhando um álbum de fotografias, encontrei algumas que tirei, da Pracinha dos Cachorros, construída há várias décadas por uma defunta administração bem intencionada, numa comunidade mais preocupada consigo mesma e com o bem comum e que ainda zelava pela beleza e pela conservação do passeio público.
Essa pracinha tinha quatro estátuas, muito bonitas, que a decoravam: um menino e uma menina e dois cães, um em cada extremidade, e que ali permaneciam como se fossem os únicos guardiões daquele patrimônio.
Acho que foi entre l984 e l986 que tirei aquelas fotografias.
Posteriormente, num livro da CAPOSAN, encontrei uma foto do João Kelbouskas, que retratava a Pracinha dos Cachorros à noite, num dia de chuva, como que simbolizando seus derradeiros dias.
Nesse tempo ela ainda conservava um pouco de sua integridade e de sua beleza original.
Mas depois, nos anos subseqüentes, foi ficando cada vez mais abandonada, com seus muros e bancos estragados, os cães e crianças mutilados, e acabou, por absoluta falta de ação e articulação dos setores responsáveis (secretarias municipais de administração, urbanização, turismo e planejamento), sendo ocupada pelas barracas dos vendedores de artigos do Paraguai, todos eles irmãos nossos aqui da fronteira que na falta de outras oportunidades de trabalho e de outro lugar para ficar, ali se instalaram, com a devida autorização do poder público.
Pois esse pessoal no princípio até cuidava bem daquela pracinha e alguns por sua conta e boa vontade tentaram recompor as estátuas, fizeram alguns reparos no calçamento, plantaram flores e recompuseram o gramado onde já não havia, como foi o caso de uma senhora que, não tendo espaço em sua própria casa, havia feito ali um pequeno jardim, cujas plantas costumava cuidar, sem prejuízo do seu trabalho.
Infelizmente nem todos pensavam assim, nem tinham o mesmo cuidado. E com o passar do tempo a praça inteira, cujo nome oficial é Praça General José Antonio Flores da Cunha, foi desaparecendo, com seus bustos, seus cães e suas crianças, debaixo das lonas e barracas dos vendedores.
Mas enfim, a culpa não é deles... Segundo a filosofia popular, se tu permites que eu me instale em tua casa abandonada sem nenhuma restrição de tua parte, e se já não a cuidavas antes disso, porque eu iria cuidar?
Em outras palavras, se os sucessivos governos municipais e os representantes do legislativo (que deviam ser os fiscais do executivo) não se importam com o patrimônio público, nem as demais forças comunitárias com a boa aparência da sua cidade, não podemos esperar que as pessoas comuns, por si sós, em sua grande maioria, se preocupem com isso.
Artigo de Luciano Machado, escritor santanense.
Foto: busto do ex-governador gaúcho, o santanense José Antonio Flores da Cunha, em meio ao completo caos atual da Praça dos Cachorros ou Praça Flores da Cunha, seu nome oficial.
Foto: busto do ex-governador gaúcho, o santanense José Antonio Flores da Cunha, em meio ao completo caos atual da Praça dos Cachorros ou Praça Flores da Cunha, seu nome oficial.
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