Artigo publicado no dia 8 de agosto de 2010, neste blog.
A Praça General Flores da Cunha, hoje desfigurada pela ocupação agressiva de seu espaço, pode ser considerada a irmã mais velha do Parque Internacional. Se o parque só viria a ser criado em 1943, já em meados da década de 30 aquele local privilegiado do convívio fronteiriço se transforma na Praça João Pessoa, ocupando o espaço que antes era cedido para o estacionamento de ônibus urbanos e da antiga estação rodoviária. No início dos anos 70, já sob a ditadura militar, a praça é renomeada “General Antônio Flores da Cunha”, em homenagem ao santanense ilustre, chefe político do Partido Republicano Riograndense, herói da revolução de 1923 e prestigiado governador do Estado.
A praça João Pessoa surge na esteira de uma revitalização da sociedade santanense, que buscava naqueles anos pós-primeira guerra e revolução de 30, um novo estilo de vida, mais moderno e voltado para o lazer boêmio. Dentro desse novo paradigma, uma série de mudanças urbanísticas seriam implementadas, visando o desfrute desses novos estilos de convívio urbano. As famílias fronteiriças cultivavam então um renovado hábito de circular por ruas e praças, frequentando os novos espaços de lazer, em especial as casas de espetáculos e cafés do entorno da Praça João Pessoa. O remodelamento do comércio, por sua vez, com vistosas vitrines e artigos diferenciados, constituía-se em novas atrações da moderna e emergente cena cultural fronteiriça.
A feição da cidade vai se transformando e dando lugar a uma urbe mais civilizada, a exemplo dos padrões urbanos europeus. Neste contexto surge a Praça João Pessoa, idealizada nos moldes dos sofisticados passeios argentinos, que privilegiavam o estilo arquitetônico do velho continente. Conforme nos lembra o memorialista Cirino Bittencourt de Carvalho, a praça foi obra do engenheiro Tetamanzzi, que de regresso de Buenos Aires trouxe o modelo de uma “pérgola”, com seu rosedal, visto originalmente em um logradouro da capital argentina. “Mandou fazer ajardinamento da área, e em cada uma das extremidades, pôs estátuas de cães, em homenagem ao fiel amigo do homem, mas a gurizada começou a fazer as estátuas de montaria”, anotou com humor o escritor. A inauguração do glamuroso espaço surgia como uma extensão dos passeios familiares que antes concentravam-se na Praça General Osório, em Santana. Também pode ser interpretada como uma estratégia política do executivo municipal para a manutenção do chamado footing em terras brasileiras, já que Rivera dava início a sedução dos fronteiriços para os espaços novos da avenida Sarandi. Contudo, esse artifício mostrou-se infrutífero, já que a cidade vizinha acabou vencendo a disputa pelos espaços de lazer na fronteira, fruto de uma política mais eficiente de humanização de seus espaços públicos. Desde aquele alvorecer dos anos 40, os santanenses já buscavam em Rivera os locais privilegiados de fruição urbana nos espaços fronteiriços.
Artigo de Liane Chipollino Aseff, historiadora, autora de Memórias Boêmias – Histórias de uma cidade de Fronteira (Edunisc, 2008), com exclusividade para este blog.
Foto: Daniel Badra - Filhos de Santana